Autora: Fátima Granja
No nosso momento evolutivo um dos mais ricos relacionamentos entre os seres é o relacionamento familiar, fortalecendo vínculos entre os seres envolvidos.
Vínculo familiar – Sentimento que a Providência Divina estabeleceu em nós, visando a evolução dos seres, estabelecendo um mecanismo perfeito para que as criaturas resolvam, por si mesmas, seus problemas de relacionamento, e cresçam.
O casamento – não nos referimos à lei dos homens – que a sociedade criou para se proteger.
Nos referimos tão somente ao sentimento natural que une dois seres, com a intenção de criarem vínculos estáveis.
É o laço primordial desse mecanismo perfeito, que aproxima as criaturas, num impulso natural, propiciando que, de alguma maneira tenham momentos felizes juntas, sofram juntas, se desenvolvam juntas.
É admirável, por exemplo, quando um casal completa 30, 40 anos de união – Criaturas de origens diversas, recebendo educação e orientações diferentes, muitas vezes possuindo usos/costumes, linguagem, religião, raça, instrução distintas, enfim criaturas aparentemente tão diferentes entre si, construindo tanto, por tanto tempo.
Com toda certeza são as sábias Leis Divinas – que regem todas as coisas – que são responsáveis por essas uniões.
Dentre todas as aquisições que essa união propicia aos envolvidos, a mais importante, são os filhos – aqueles espíritos que o casal recebe em seu seio, estabelecendo com eles um relacionamento protegido pelo mais forte dos instintos, que é a preservação da prole.
Como tudo que acontece está dentro das Leis de Deus, nesse processo, a Providência Divina, tem como objetivo proporcionar ao grupo familiar que se “reencontrou”, a oportunidade de desenvolver o mais puro e despojado amor.
É claro que nesse tipo de relacionamento existem ainda exceções, quando os envolvidos no processo, pais e filhos, não têm ainda o amadurecimento espiritual e moral suficiente para agirem como colaboradores da Divina Providência, resultando daí crianças e idosos relegados ao abandono.
Sim, existem pais, mães e filhos que não conseguem desenvolver um amor tão forte capaz de superar o mal-estar causado por falhas que ocorreram em vidas anteriores.
Porém, com toda certeza o mecanismo continuará a se desenvolver pelas muitas vidas que as criaturas vão vivendo, tendo como resultado o aprendizado, a superação, o perdão, o crescimento moral dos envolvidos.
Quando a espiritualidade superior enviou aos seres humanos o que chamamos de “Os dez Mandamentos”, estava mostrando como deve ser o procedimento da criatura nas várias situações, nos vários relacionamentos que estabelece com seus semelhantes.
No decálogo está escrito: Honra teu Pai e tua Mãe, demonstrando que este mandamento deve fazer parte do nosso modo de agir, com relação àqueles que nos abriram as portas para essa vida – o respeito, a estima, a obediência, enfim tudo aquilo que a caridade determina.
Honrar Pai e Mãe é também os assistir nas suas necessidades materiais, dando-lhes o conforto possível, proporcionando-lhes repouso na velhice, com a solicitude e cuidados como eles fizeram conosco na nossa infância.
É claro que esse dever não se restringe somente aos filhos com relação aos pais, mas se estende também aos pais com relação aos filhos – na educação e orientação, no devotamento para com a sua prole.
Jesus, nos seus ensinos reafirma todos esses conceitos, quando ele ensinou o amor incondicional, para com todos.
No entanto, existe uma passagem nos evangelhos que à primeira vista pode nos causar certa estranheza.
Jesus havia começado a sua vida pública – pregava, produzia fenômenos e estava atraindo uma grande multidão à sua volta.
Era muita gente que vinha à sua procura, que as vezes não lhe restava tempo suficiente sequer para a alimentação e repouso.
Contam-nos os evangelhos que quando sua mãe e irmãos tomaram conhecimento dos fatos que estavam ocorrendo, foram até ele com o intuito de tirá-lo dessa situação. Achavam que ele enlouquecera.
Entendemos assim, que seus familiares não estavam compreendendo o trabalho que Jesus estava realizando.
Chegando à casa em que Jesus se encontrava rodeado pela multidão – era tanta gente que seus familiares não conseguiram entrar e chegar até ele. Então mandaram chamá-lo.
– Olha que tua mãe e teus irmãos te buscam lá fora, disseram os discípulos.
Jesus respondeu:
– Quem é minha mãe, e quem são meus irmãos? E olhando para os que estavam sentados à roda de si lhes disse: – Eis aqui minha mãe e meus irmãos. Porque o que fizer a vontade de Deus, esse é meu irmão, minha irmã e minha mãe.
Pela sua maneira de ser, Jesus sempre demonstrou ser um espírito superior encarnado na Terra, não fazendo parte da sua personalidade as impurezas, próprias dos seres deste nosso planeta de expiações e provas.
Além da sabedoria que demonstrava – que transcendia a tudo o que se sabia ao seu tempo – sua postura diante das diferentes situações, diante das criaturas mais heterogêneas, foi sempre impecável.
Jesus é na verdade a personificação do amor no seu sentido mais amplo, incorporando todos os componentes que esse sentimento sublime possa conter: caridade, piedade, tolerância, indulgência, condescendência, enfim, tudo aquilo que precisamos ainda aprender.
Enfim, por tudo aquilo que ele nos mostrou, não podemos enxergá-lo de outra forma, senão como um ser superior.
No entanto, a passagem citada parece contrariar tudo aquilo que constituiu a base do seu ensinamento.
A primeira ideia que nos vem à mente:
– Será que Jesus teria dito exatamente essas palavras que parecem tão contraditórias?
– Ou, não seriam essas palavras alguma interpolação nos evangelhos, e Jesus jamais as teria dito?
– Ou, teria ocorrido algum erro nas muitas traduções que foram feitas, até o texto chegar a nós?
Jesus, israelita por excelência, conhecia o Decálogo, como sendo uma revelação da espiritualidade superior.
Como espírito superior, conhecia muito mais do que isso.
Sabia perfeitamente que, “Honrar Pai e Mãe” é uma Lei da Providência Divina, norteando o comportamento das criaturas.
Porém, Jesus conhecia muito mais que isso, conhecia outras leis da Providência Divina, e estava disposto e muito empenhado em trazer esses conhecimentos aos seres humanos, seus irmãos dessa humanidade.
No caso em questão, quando ele disse: “Quem é minha mãe e quem são meus irmãos?“, tinha plena consciência de como deveria ser seu relacionamento com Maria, sua mãe.
Sabia que deveria amá-la, ter muito carinho para com ela, e foi o que ele sempre fez. Podemos perceber isto, no momento mais crítico de sua vida terrena, quando estava pendurado na cruz infamante, sofrendo a dor física mais intensa da execução imposta pelos homens, ele pensou na sua mãe tão querida, tão sofrida. Nesse momento preocupado em deixa-la desamparada com a sua morte, ele designa um de seus amigos, um discípulo, o mais amado de todos, para cuidar de sua mãe na sua ausência.
Ao dizer aquelas palavras – “quem é minha mãe, quem são meus irmãos” – Jesus na qualidade de Mestre, estava querendo deixar uma lição. Algo mais profundo e transcendente que tudo aquilo que seus contemporâneos entendiam como relacionamento familiar:
– Eis aqui minha mãe e meus irmãos. Porque o que fizer a vontade de Deus, esse é meu irmão e minha irmã e minha mãe.
Com essas palavras Jesus está ensinando, que a família que ele tinha como ser humano encarnado era uma coisa.
Mas havia outra coisa – algo muito mais amplo e abrangente: estava ensinando que existe a família espiritual.
Aproveitando a oportunidade que o momento ensejara, estava ensinando que Maria e seu marido tinham-lhe dado os elementos necessários para a formação do seu corpo físico, porém a sua procedência era totalmente outra.
Seus pais não geraram seu espírito.
Jesus como espírito, após muito aprendizado, muitas experiências conseguiram evoluir a tal ponto de ser um espírito de luz.
Como espírito de luz, tomou para si uma missão.
Para desempenhar essa missão era preciso encarnar.
Necessitou então de uma família corporal.
Sua família espiritual, porém, era constituída de espíritos da mesma categoria que a sua, com os mesmos ideais e maneira de ser.
Jesus falando de si próprio está sinalizando o que acontece com todos os seres.
No geral, constituem os grupamentos familiares do nosso mundo, espíritos que são frequentemente simpáticos entre si, que já tiveram outras oportunidades de conviverem conosco, trazendo afeto, amor, amizade de outras vivências.
Isso justifica o relacionamento geralmente amoroso entre os componentes dos grupos familiares.
No mais das vezes “esse relacionamento amoroso” é recheado de brigas e reconciliações.
Espíritos que têm afinidades entre si, que fazem parte de uma família espiritual, se atraem e encarnam formando as famílias corpóreas.
Pode acontecer, porém que num grupo familiar harmonioso e ajustado, exista aquela criatura que destoa dos demais – cria caso com tudo, é rebelde e contumaz.
Seria um espírito mais atrasado acolhido pelo grupo familiar harmonioso com o propósito de ajudar em seu aprendizado.
O inverso também é verdadeiro. Um espírito mais moralizado encarna num meio totalmente hostil com a finalidade de contribuir com essa família e ajudar um irmão desorientado no seu padrão moral.
Este mecanismo também justifica o que acontece em muitos lares, onde um ou outro de seus componentes, assim que surja uma oportunidade se afasta, não restando nada que os una aos seus familiares terrenos senão os laços corporais.
Jesus ensina que os verdadeiros laços não são os laços sanguíneos, os verdadeiros laços são os decorrentes da comunhão de pensamentos e sentimentos, que atrai os espíritos uns aos outros antes, durante e após a vida terrena.
Esse laço é duradouro e permanente.
Não é por outra razão que às vezes ao conhecer uma pessoa logo percebemos que ela é especial. Parece que preenche algo que estava faltando.
Nos sentimos bem conversando com ela, convivendo com ela. Parece até que temos mais afinidade com essa pessoa “estranha” que com um irmão de sangue.
Isso não quer dizer que não temos obrigações para com os nossos parentes corporais.
Absolutamente.
Se estamos juntos numa encarnação, existem motivos para isso.
Precisamos desempenhar com amor, muito amor qualquer papel que a vida nos apresenta.
Isso também não quer dizer que esses espíritos que fazem parte de nosso grupamento familiar, mas que são de difícil convívio – não pensam como pensamos – não venham a fazer parte um dia de nossa família espiritual.
O objetivo é exatamente esse.
Se estamos juntos numa romagem terrena é justamente para criarmos e fortalecermos laços de afeição, que com o correr do tempo vão se consolidando à medida que evoluímos, transformando-nos a todos numa grande, unida e fraterna família.
Essa é a lei de amor que rege toda obra de Deus.
Dessa forma, tomando conhecimento das Leis da Providência Divina que sustentam os mundos, podemos entender muitos dos problemas, das situações em que nos vemos envolvidos.
A Lei da Reencarnação é uma dessas leis, que podem nos explicar “os porquês” de muitos relacionamentos difíceis, como também de relacionamentos amorosos e felizes, nos dando a grande esperança de transformarmos criaturas difíceis, desajustadas, verdadeiras ovelhas negras em nosso meio social, em seres perfeitamente ajustados, verdadeiros irmãos espiritualmente falando
- O Evangelho Segundo o Espiritismo – Cap. 14 – Honra a Teu Pai e Tua Mãe
A autora é colaboradora do Centro Espírita Allan Kardec – Campinas – SP, estudiosa da Doutrina Espírita e dos temas bíblicos à luz da Doutrina Espírita.